#15 você pode se dar o luxo de perder um dia ou dois.
ou não, mas as vezes a vida não te dá opção e você vai perder de toda maneira.
1. eu acordei as 4:30 da manhã,
saí leve da cama e fui fazer meu desjejum. passei café na cafeteira italiana, levando o líquido quente em uma caneca que diz "BRUXA" até o escritório. gosto de pensar nessa caneca como se fosse minha versão daquelas que dizem "PSICÓLOGO", "ADVOGADO".
puxo o fio que abre a persiana de bambu. perco o ar um segundo. a lua brilha no horizonte ferozmente. um lembrete luminoso de que estou em uma esfera flutuante no universo e outras coisas absurdas acontecem.
o sol vai nascendo no lado oposto, o que não vejo da minha janela. o céu se torna lilás, e rosa, e laranja, a lua faz mais força para me lembrar "a vida é maior que isso, Ananda. que isso tudo".
era manhã de eclipse1, de lua cheia. três vezes mais forte que um plenilúnio mensal. todas as emoções, os sonhos e os desejos sendo puxados pela maré.
2. algumas noites depois,
ainda acordando nas madrugadas, eu escrevi no bloco de notas:
"e de repente, você está ali. lendo seu livro (discordando dele, para ser mais precisa) com calma as 5 da manhã. de robe, com café fumegando ao seu lado. sentada no sofá que você comprou, que não é o sofá dos sonhos, mas também não é o dos pesadelos. você tem um estalo. olha a sua volta. ao fundo os pássaros confusos da madrugada cantam, e você escuta um carro ou outro muito longe. o som mais próximo é o constante lembrete da geladeira. “oi, eu sou uma geladeira” ela diz em sua língua do "hhhhm". pela janela, luzinhas minúsculas na marginal indicam que essa cidade realmente nunca para. mas você está a uma distância segura deles. você vive entre um por do sol e uma cadeia de prédios. entre a lua cheia que se deita na sua cama as 2 da manhã, e as ruas de paralelepípedo que sobraram na guerra da especulação imobiliária. você chegou aqui.
você aterrizou no cenário do seu desejo. e tem mais 30 minutos para pensar nisso.
a vida parece mais leve, mesmo com tudo revirado dentro do seu coração. uma reviravolta pré-faxina, de limpeza, virginiana. abrindo gavetas e gabinetes, tirando tudo de dentro. seus sonhos e medos espalhados, você pega um por um e se pergunta “does it spark joy?” — nã. adeus.
você entrou na fase do parênteses. a vida não parou, mas a sentença longa e cadenciada da vida, cheia de pontos e virgulas e travessões e crases que você não sabe usar, te permitiu abrir uma bolha. um espaço para viver e sintonizar outros assuntos.
em breve você vai ter que terminar seu adendo. mas por hoje é sobre ler, e sentir, e ir à academia usando camisetas largas, e experimentar um chá de valeriana, dormir cedo e acordar mais cedo. hoje você deu uma pausa no feminismo, no esquerdismo, em todos os ismos menos o budismo. e sem uma bandeira para levantar, por hora, suas mãos ficaram livres para fazer um trabalho.
trabalhinho pequeno, esse de cuidar da própria vida. um trabalho invisível, sem grandes méritos.
mas que você descobriu ser o trabalho essencial do momento. talvez por isso a vida tenha te permitido encaixar nesse paragrafo um parênteses sobre sua planilha de finanças, sobre ouvir audiobooks, e clareamento dental caseiro. essas pequenas coisas que não vem sendo escritas a tempos, sabe?
no meio de um conto épico sobre se mover, e conquistar, e contribuir para causas maiores. no meio da Eneida, uma pequena história sobre levantar antes do sol e tudo o que isso demanda. não um capítulo inteiro, a aventura é grande demais para isso.
só um parênteses, por hora. e é o suficiente."
3. esse texto saiu de mim como um suspiro de alívio,
e é muito bom acordar dentro da realidade, encarnada no seu corpo. mas o "entre eclipses" não é só clareza, querida leitora. eu e a lua fomos nos dirigindo para a fase nova.
há dias eu escuto Vienna, do Billy Joel em looping. eu recebo essa música como uma carta do futuro, desde a primeira vez que ouvi em "De repente 30"2 (claro que foi ali). mas eu era menina demais para entender o que era precisar desacelerar. ser adulto é complicado. já era complicado nos anos 70, quando a música foi escrita, talvez ainda mais.
mas "tirar o telefone do gancho e desaparecer por um instante" nunca foi tão desproporcionalmente difícil como em 2024.
"Which is really what the song is about: Slow down, look around you and have some gratitude for the good things in your life. That’s what Vienna represented to me."
— Billy Joel sobre o significado da música.
são dez anos que eu escuto as primeiras notas do piano na minha cabeça como um prelúdio. é a sirene da sobrecarga. toda vez que a vida se torna insustentável e eu preciso puxar o freio de mão, eu lembro dessa música. ela vem me contar que estou precisando de espaço.
inúmeras vezes eu desliguei meu celular LG3, e passei um final de semana inteiro sem interação humana, no máximo perambulando pelas ruas da consolação ou outro bairro que estivesse me abrigando (foram 14 mudanças até hoje). comprar DVDs piratas no Baixo Augusta, colocar no notebook e assistir um filme atrás do outro comendo "Magic toast" com Nutela. "Practical Magic" "Funny face" "500 dias com ela" "Pulp Fiction" — filmes-amigos.
outras vezes eu não pude parar. no máximo, baixar essa música no ipod e ouvir enquanto costurava, pegava um ônibus para o trabalho no restaurante, comprava comida congelada no mercado.
essa música me acompanhou por tantas coisas. música-amiga.
4. a lua foi minguando,
e o piano tocando mais nitidamente na minha cabeça. eu tentei processar muitas coisas que o primeiro eclipse me trouxe, sem sucesso. no segundo eclipse, dessa vez a força de três luas novas, eu entendi que nesse momento eu encerro uma parte da minha vida. e todo fim é realmente um novo começo, quer você esteja preparada ou não.
eu não estou. mas o círculo se fecha, como a lua cheia me lembrou, o universo é maior que "isso" "que tudo isso". que meu medo, meu apego, minhas promessas a mim mesma, meu passado. o círculo se fecha e não há nada que eu possa fazer além de "perder um dia ou dois".
"When I wrote ‘Vienna waits for you’, I meant that it is a place where you close the circle. By going to Vienna, suddenly things started to make sense in the world for me."
e no abraço escuro e vazio da lua nova, eu mergulhei. concentrada de novo em fazer o "trabalhinho de cuidar da própria vida" dessa vez com a frequência oposta. essa de acreditar no que não se vê ainda (tanto quanto no que se mostra porque quer ser visto). frequência de deixar a vida encerrar e desfazer o que for necessário. sem narrativas de tristeza, tendo o máximo de paciência comigo e entendendo que esse lugar, onde o mundo faz sentido, me espera esteja eu pronta para ele ou não.
eu espero que essa temporada de eclipses esteja sendo gentil com você.
— nem tive tempo de prestar atenção no Mercúrio Retrógrado por aqui.
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celular rudimentar que tinha rádio, sms, jogo da cobrinha e era meu aparelho preferido porque podia perder sem culpa. perdi e comprei um novo pelo menos três vezes, era R$80. as pessoas já andavam com o Iphone 2, nessa época. sonhei com ele ontem.
Ananda do céu! 🥹 Cada vez mais a tua escrita é algo delicioso de ler.
Para mim, a temporada de eclipses foi intensa - mas desde o ciclo aquariano tenho virado muitas chaves.
Naaaaaaaaans bruxona maravilhosa! Gracias por compartilhar os insights da sua existência!!! Amei muito essa e a combinação entre te ler e seguir suas pistas, começar o dia ouvindo Billy Joel, sentar com a minha mandala lunar, ouvir a maravilhosa Mia Astral (que eu não ouvia faz tempo!) explicando essa temporada de eclipses… Nooooossaa, excelente maneira de começar o dia, de começar a semana, e agora eu tô aqui juntando as informações dos caquinhos que essas semanas entre eclipses revelaram para mim, foi intenso, foi doloroso, foi profundo, tive notícias tristes e difíceis e depois dengue, entre outras intensidades profundérrimas e agora, absolutamente engatilhada por essa maravilhosa newsletter, to conseguindo enxergar e organizar com clareza! Gracias profundas! Eu aqui no caso fui obrigada a me dar o luxo de perder uma semana ou duas, mas agora que to conseguindo montar o quebra cabeça dos eclipses to vendo que na verdade to colhendo ganhos profundos de consciência e recalculo de rota! Graaaaaaciaaaaas!