6 minutos de leitura para treinar seu cérebro pós-redes sociais. de nada.
recentemente, eu fui "chuchada" no assunto escassez, que nem petisco no molho. indo e voltando em comportamentos e pensamentos que eu achava que já tinha sublimado (risos). tendo breves picos de sensação de urgência, exigência comigo e com as pessoas. e bruxismo. ah, o bruxismo. são os três cavaleiros do apocalipse que precedem a órbita da crença de escassez, na minha humilde opinião (sendo o bruxismo o mais pentelho deles).
quando você
começar a ranger os dentes à noite,
passa a acreditar que sabe fazer tudo melhor que os outros (e, ao mesmo tempo, se sente uma impostora fazendo),
percebe uma constante sensação de que está atrasada,
saiba que é ela: a Falta com F maiúsculo.
a força gravitacional daquilo que falta.
eu vivi como um satélite capturado pela gravidade da sensação de falta por mais tempo do que consigo computar. essa atração era tão constante que eu achava que era parte da minha personalidade.
chamei de disciplina, responsabilidade, razoabilidade. acreditava ter um instinto de autopreservação especial. mas não era minha vida que eu de fato protegia, eu tentava salvar meu ego do desconforto de perceber que não podia se proteger ou controlar a vida.
eu precisava evitar a constatação de que, fora do meu controle, a vida ainda acontece. e o pior: a vida é ainda melhor (ou menos terrível) do que eu poderia prever.
coisas impressionantes acontecem quando eu solto o que nunca foi minha jurisdição.
meu controle me serviu e me serve. mas sei que muitos "deveres" que carrego, sou eu quem faz questão de colocar nas costas.
receber é uma posição vulnerável.
nos últimos anos aprendi que, para começar (é só o primeiro passo) a viver em pleno potencial de criatividade, eu teria que soltar muito mais. ser muito menos orgulhosa, ficar pequena diante do universo.
sempre que eu recebo, eu fico menor antes de ficar maior. o ato de receber pede que estejamos num lugar vulnerável. mas quando eu doo, tenho a sensação de que sou maior, o que é um tanto mais gostoso.
eu. a benfeitora. que nada precisa. que tudo serve. que um dia será recompensada sem nunca pedir nada ou pegar o que precisa — sim, somos essa massaroca bem intencionada de generosidade e arrogância ao mesmo tempo.
que cafona.
perceber isso em mim, foi tipo um "never meet your heroes". eu jurava que eu era mais descolada que isso, que não tinha esse ímpeto judaico-cristão. blé
a mãe de todos os medos
e é aí que os últimos episódios de medo se encaixam. sempre que elevamos um nível de percepção sobre algo, novos problemas se apresentam. e eu tinha percebido que essa minha síndrome de doadora-sobrevivente-guerreira era uó, vinda de uma sensação permanente de falta.
nos últimos anos eu tive medo de fazer o meu trabalho. depois eu tive medo de não ter ninguém que comprasse minhas ideias. depois tive medo que MUITAS pessoas comprassem minhas ideias e eu ficasse muito sobrecarregada. tive medo de não ter dinheiro, de não conseguir manter o dinheiro, de perder dinheiro e de fazer muito dinheiro. e medo de gastar o dinheiro, claro. camadas e camadas em um naked cake de medo.
hoje eu sinto que a mãe de todos os medos é a crença na escassez. da forma menos hippie que isso possa soar, me escute: ter o pouco como certo envenena todas as nossas ações. nada será bom o suficiente para te dar paz e o buraco fica cada vez maior, se continuamos orbitando em volta da falta.
medo de terminar um relacionamento, porque não existe mais ninguém como essa pessoa. medo de errar, porque tenho apenas uma oportunidade de tentar. medo de ser ridícula, porque vai que minha reputação é tudo o que eu tenho. medo da morte, porque se essa for minha única vida, eu tenho que me agarrar a ela — soa familiar?
sobra muita falta, e "a primeira vez é sempre a última chance".
a sensação de que existem poucas oportunidades, pouco espaço, pouco tudo no mundo.
se você se vê aqui, eu proponho um exercício radical.
que não muda nada na estrutura da sociedade, nem em como o capitalismo nos mantém reféns. mas, mostra a caverna.
no mito da caverna, Platão questiona se o que pensamos conhecer não é apenas uma imagem distorcida (as sombras do mundo externo, projetadas nas paredes) do que é a realidade. ou pelo menos é assim que eu leio.
então, quando o bruxismo me mostra que a Falta se tornou uma certeza diante de mim, eu pergunto "e se a vida for mais abundante do que eu consigo acreditar hoje?" eu busco entreter essa possibilidade de que isso que eu vejo na parede da caverna não corresponda exatamente à realidade do mundo. vai quê?! eu já me provei errada tantas vezes sobre tantos assuntos.
faço isso, não porque eu acho fácil. "vibrar na abundância". mas porque eu tenho a impressão de que o contrário torna as coisas ainda mais difíceis. e, cara, as coisas já estão hardcore.
tipo, operar a partir da falta não está dando certo para mim, ou para humanidade. a Falta é o próprio feitiço do capitalismo.
as coisas têm fim, de certa forma. mas as coisas se reapresentam em forma de novas coisas (ou oportunidades) constantemente, e isso não conseguimos enxergar embebidos da auto piedade e precariedade com que o sistema quer que a gente viva. olhando só pro que estamos perdendo, perdemos mais. não encontramos nossas armas, nossos frutos, nossa matéria prima, não encontramos potência em nada.
você já sabe em detalhes tudo o que a sensação constante de falta faz com você, para além das coisas que verdadeiramente estão em falta.
e se deixássemos faltar o que de fato não temos, enquanto carregamos reconhecimento e apreciação pelo que sobra, ou pelo menos há?
viver o fato, não medo dele. não ampliar a Falta tomando todas as decisões através dela. sem pintar um mundo de igualdade que não existe, sem deixar o Capitalismo dizer que essa terra não é capaz de proporcionar tudo o que todas as suas filhas precisam.
vai quê?! por aqui tem se mostrado revigorante.
eu genuinamente espero que você consiga fazer esse exercício aí, leitora. que sua alma te alerte todas as vezes que você estiver olhando pelas lentes da Falta, e com isso perdendo a vastidão do universo.
Que texto forte! Obrigada pela reflexão de hj
Eu amo ler seus textos. Obrigada por compartilhar