#8 dezembro, o tempo e até as piores pessoas estão desejando algo bom
ou "como sobreviver ao final do ano"
eu sinto como se estivesse acontecendo agora (porque de certa forma está): a última semana de aulas na escola me deixava com uma sensação que eu não sabia nomear. era algo ali pelo estômago, que subia para as bochechas. era triste e, ao mesmo tempo não era. e eu não podia falar sobre ela com ninguém, porque não fui criada em um mundo onde podemos compartilhar o que sentimos sem muita elaboração.
é claro que, no início, eu amava o final do ano. os 44 km pela rodovia Dr. Eliéser Montenegro Magalhães (eu lia todas as placas). a expectativa de comer frango com batatas coradas e macarrão na sala minuciosamente decorada com crochê e tapetes de retalhos da minha avó. meus primos brigando com as almofadas coloridas até que alguém derrubasse "Guaraná Paulistinha" no sofá. Dona Idalina e seu cigarro viriam da cozinha pressentindo o caos em sua sala, proferindo palavrões com leves distorções (para que suas próprias filhas não a repreendessem). tirando a parte da missa, eu amava o Natal como toda criança.
mas essa sensação estranha no estômago do final do ano só me abandonava na semana entre o dia 26 e o 31. nesses dias eu encontrava uma bolha de segurança, de "tempo suspenso", de silêncio interno.
até hoje é meu momento preferido do ano (os sumérios criaram um conceito de ano de 360 dias, acho que posso tirar esses 5 para mim), a semana em que a pequena Ananda pensava "que até as piores pessoas estão desejando algo bom". cresci ansiando por esse momento onde minha ansiedade baixava — porque hoje eu sei que aquela sensação que começava no estômago se chama ansiedade.
minha rixa com o Natal pode esperar outra edição de newsletter, mas a conversa sobre como tornar o final do ano menos desafiador, não.
Uma pesquisa conduzida pela International Stress Management Association (Isma), no Brasil, mostrou que o nível de estresse do brasileiro sobe, em média, 75% com a chegada do dia 25 de dezembro. Ainda de acordo com o estudo, a carga de ansiedade e preocupação durante as festividades natalinas é maior do que em qualquer outro período do ano.
Para o doutor em psicologia social Cláudio Paixão, os motivos para a chamada “melancolia natalina” são variados. O luto pela morte de um ente querido, a perda de um emprego, uma separação, uma doença ou até mesmo a fadiga de um ano exaustivo e o estresse financeiro podem evidenciar uma realidade de que não se consegue afastar, por mais feliz e próxima do ideal que seja a reunião familiar.
“O Natal nos remete a um ciclo, é um encerramento de um período de vida. É um momento que você repassa o ano que você teve e revive as expectativas que não foram realizadas. Você muitas vezes vai se comparar aos outros, é um momento em que, às vezes, você não vai ter aquela pessoa querida com você mais e você vai ter que sofrer a pressão de uma sociedade que entende que é preciso estar junto e feliz nesta época”, observa o especialista. “A grande dificuldade é você ter que lidar com expectativas que não são só suas e que não dependem só de você”, enfatiza Paixão.1
e o que você fez...
esse supostamente é o momento de fazer balanços, avaliações, fechamentos. é o fim do ano, no calendário gregoriano. mas é o fim do quê, no fim das contas?
iniciamos e encerramos um ciclo importante da nossa organização social sem conexão alguma com os ciclos naturais que vivemos, e digo isso da forma menos hippie possível.
o cosmos tem um ritmo, no qual dançamos por muitas civilizações. um tempo pautado pelas estações do ano, movimento dos astros, plantar e colher. os estudiosos do conceito de tempo do calendário Maia vão dizer que, vivendo nesse compasso sem ritmo algum, vamos causando desequilíbrios na nossa energia. e pensando como uma virginiana, faz muito sentido para mim.
quantas decisões cruciais tomamos em relação ao tempo? quanto tempo é tempo suficiente, e quanto tempo é tempo demais? onde você acha que deveria estar a essa altura do ano? entramos em uma "reta final" em termos de trabalho e produtividade, quando o nosso clima está entrando em uma espécie de ápice, que é o verão. estamos dançando sozinhos, uma outra música, inevitavelmente pisaremos no pé do que é natural.
deixamos "tudo para o final do ano", o que é compreensível se esse é o nosso pico de energia vital. mas essa crescente energética esbarra nos mil impedimentos de dezembro, ao mesmo tempo que estamos cansadas pela força que precisamos fazer em julho e agosto. é uma quebra em nossa rotina, em nosso fluxo natural, no fluxo das sincronicidades.
e, no fim, é tão importante assim fechar o ano no azul em todas as áreas da vida? nossas metas não estarão bem onde as deixamos no dia 3 de Janeiro?
e em outra perspectiva (para a qual já comecei a escrever um artigo especial) qual é o espaço das famílias que não são de propaganda de margarina? das mulheres sem filhos? das vidas solteiras que importam e são muitas? dos que perderam um emprego, uma pessoa, que romperam um relacionamento importante? qual é o espaço das pessoas que precisam trabalhar nos dias em que obrigatoriamente (e como se isso tudo não fosse também um festival capitalista) esquecemos de tudo e celebramos?
veja, se você tem memórias incríveis sobre as festividades, e está animada para que o final do ano chegue, está tudo bem. esse post é um alento pras pessoas que não podem nomear que esse momento do ano as deixa tristes, ansiosas ou estressadas. talvez você esteja aqui, me lendo, e venha a se tornar uma aliada. alguém com quem nós (mulheres meio o Grinch) podemos contar. a pessoa que não gera mais demanda emocional ainda, sabendo que esse é possivelmente um momento desafiador para o outro. alguém que não impõe o espírito natalino, que abre espaço para que as outras pessoas apenas sejam o que elas podem ser.
como você encerra um ciclo diz muito sobre o ciclo que está por vir
vamos deixar a palavra "normal" de canto por um instante. assim como, vamos fazer o que pudermos para diminuir as exigências e lidar com as expectativas como adultas (ninguém aqui desmanchará no ar caso tenha suas expectativas frustradas, certo?).
como você quer encerrar esse ciclo, antes de começar um ciclo novo? o que você pode afirmar como conquista, independente do seu planejamento no início desse ano e quais metas podem esperar para o próximo? fora das expectativas sociais, o que é SAUDÁVEL para você? como você se sentiria sobre si mesma e sobre sua vida, caso esse fosse um mês como todos os outros?
com os anos, fui aprendendo a criar planos para lidar com a combinação de expectativas + exigências + socialização + verão + gastos + família católica-apostólica-romana + "e os namoradinhos" + álcool + 12 horas de viagem.
a seguir, compartilho com você minhas melhores (e/ou mais novas) estratégias.
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