#1 fiscais de internet, amadorismo e ser sexy
Ou porque eu dei esse nome pra minha newsletter.
15 minutos de pausa pra leitura no seu dia. estou devolvendo a concentração pro seu cérebro pós pandêmico. de nada.
eu tenho um trauma.
quando eu estava na faculdade, constantemente usavam a palavra “amador” ou “escolar” como feedback dos nossos trabalhos. curioso que esperassem que estudantes pudessem apresentar resultados profissionais (dã), mas eu demorei muito para questionar isso. eu adquiri a fobia do amadorismo.
eu comecei a observar minhas entregas, minha postura, minhas roupas, e meu humor. fiquei extra vigilante na busca de eliminar tudo o que transmitisse… alegria em fazer aquilo, e me frustrava muito não conseguir tirar essa tal aura de iniciante de mim.
(“Eu gostaria de um pouquinho de crédito por estar me matando enquanto tento”)
o que deixa essa história interessante é: eu decidi estudar moda justamente porque eu amava o assunto. eu era, por definição, uma amadora.
segundo o Wikipédia, “Amadorismo é o desempenho de uma atividade por prazer e não visando à subsistência do praticante, não assumindo, nessa condição, compromissos com prestação de serviços públicos à sociedade.”
a minha geração chegou à vida adulta com uma promessa. aqueles que resistissem à sedutora segurança proporcionada pelos concursos públicos, e chegassem a trabalhar com algo que amassem, “não trabalhariam um dia sequer”. seriam privilegiados e o amor seria seu maior pagamento. uma falácia capitalista que fez (e faz) com que millenials sejam infelizes e deslocados na esfera profissional. e financeiramente precários no geral (estatística não é indivíduo e sim, você pode ser feliz no seu trabalho, esse não é meu ponto).
quem escolhe um emprego que não ama (onde essa pessoa poderia simplesmente dar o seu melhor e depois ir viver a vida), se sente de alguma forma “sem propósito”. como se não fosse suficiente ter um trabalho que garante sustento e tranquilidade, como se fosse necessário ser apaixonado por aquilo que te “dá dinheiro”.
quem vai em busca de trabalhar com suas paixões (sendo um emprego formal ou empreendendo) vive frustrado com as partes “menos amáveis” que qualquer trabalho tem, ou deixa esse trabalho consumir sua energia, em uma obsessão por esse dito amor.
misturar amor com labuta, que armadilha perfeita! fazer com que uma geração inteira mercantilize suas paixões e desde a primeira aula de flauta, considere ser flautista profissional. rebaixar qualquer atividade que não produza renda, como desimportante.
a briga entre ser amador e ser pro.
tenho muito (muito) a falar sobre esse assunto, e esse nem é o tema onde quero chegar com você hoje. hoje eu quero falar do perigo de trazer essa lógica pras outras áreas da nossa vida. a necessidade de chegar pronta, buscar ser útil o tempo todo, se levar muito a sério e mercantilizar a relação com a vida pode estar envenenando todo o nosso sistema (do corpo ao político). do concreto às nossas relações.
qual é o problema em ser amadora?
dia desses uma empresária que gosto de acompanhar no instagram recebeu um hate comment que me provocou. essa mulher, dona de uma das agências de lançamento mais descoladas do país, ama café. ela gosta do ritual do café, e faz pequenos vídeos enquanto passa seu café pela manhã. muitos podem pensar que tem um fundo de marketing ou branding nisso, mas eu desconfio que, assim como eu, ela carregue a necessidade de romantizar a vida, viver um filme. é sobre como esse momento a inspira, e como registrar o momento reafirma sua potência.
adepta. e culpada.
anyway. alguém supostamente muito versado no assunto “passar café” fez uma crítica-construtiva-não-requisitada sobre, dizendo que o jeito que ela passa o café é amador. sim, na internet tem um espaço para comentários e com isso todo mundo acredita que estamos pedindo opinião sobre tudo.
o que ela replicou dizendo que era exatamente isso, ela amava café e, portanto, era uma amadora. o negócio que ela tocava não era do ramo. não havia a necessidade de fazer um curso de barista. ela continuaria feliz como amadora.
eu fiquei pensando nos dois lados da questão.
primeiro pensei no quanto a gente se incomoda em ter investido tanto dinheiro em nossa educação e ver outras pessoas fazendo uso desse conhecimento de forma amadora. vivendo aquilo que a gente aprendeu a pensar. incomoda. dói. mas devia doer? eu sinto que veio daí o comentário do sujeito.
baristas, músicos, fotógrafos, gastrônomos, yogis... nós que não deixamos uma criatura passar café, ouvir “música medíocre”, tirar foto de iphone, fazer risoto ou cantar um mantra em paz. rs
o quanto esse recalque é válido? será que nossos diplomas nos autorizam a criticar as pessoas que não têm o dever de saber o que sabemos e podem seguir felizes desfrutando de coisas sem o peso de serem especialistas? temos direito de cercear a experiência assim? esse é um tapinha com luva de pelica. em você e em mim.
e do outro lado (sempre tem outro lado), fiquei pensando na beleza que existe em uma pessoa que internalizou que não deve nada à ninguém, como essa mulher. se fosse eu, ficaria p*. perderia o encanto pelo meu ritual. amaldiçoaria as redes sociais e seus malditos fiscais. jogaria no google “curso online de barista”, no mínimo. dependendo do dia, eu faria o barraco virtual. me sentiria demasiado invadida por um comentário sem importância nenhuma.
no meu caso, isso é um gatilho. como disse lá em cima, tenho um trauma. mas algo nessa história me inspirou.
veja, todos os mamíferos sentem a necessidade de serem amados. é uma estratégia evolutiva. quando a sociedade segue rumos tão malucos como a nossa tomou, “ser aceito” pode ter vários formatos. um deles é a postura correta/entendida/profissional. logo, se sou vista como amadora, deixarei de ser amada e morrerei. é assim que o ego captura a situação.
outro problema visível é o quão pouco espaço é destinado às coisas que não tem um benefício financeiro para nós, ou são úteis pras pessoas à nossa volta. fazer algo apenas porque você gosta, sem buscar um grande resultado, é uma afronta a chamada “cultura de desempenho”. o capitalismo precisa que você preencha todo seu tempo com coisas que sirvam aos propósitos dele, lembra? de novo, a estratégia de “ser amado” faz com que a gente coloque a satisfação das necessidades do outro (e da sociedade) acima das nossas. sendo boa parte dessas necessidades imaginadas por nós, ou inventadas pelas estruturas dominantes.
o efeito cisne negro
(“Eu só quero ser perfeita”) (kkk só)
não sei se você já assistiu o filme “Cisne Negro” com uma Natalie Portman pirada em ser a primeira bailarina, enquanto a Mila Kunis vai ganhando espaços por ter uma descontração magnética enquanto trabalha.
a gente se solta quando não está se exigindo demais. e essa leveza é atraente. não se exigir é sexy.
percebo, em exemplos bem particulares, o quanto é mais fácil sair e realmente me divertir num date quando o cara não se parece com o homem dos meus sonhos. como é fácil passar em uma entrevista quando não estou tão a fim do emprego. como tudo aquilo que não levo tão a sério flui melhor, me faz bem. eu posso não chegar a lugar nenhum com essas coisas, mas me sinto melhor enquanto experiencio elas. chego mais em mim.
hoje eu vejo a necessidade de não apenas autorizar fazer uma porção de coisas só por prazer, mas também criar pequenas “armadilhas” pro meu instinto de especialista. escolher investir energia em alguns projetos sabendo que não serei muito boa neles. fazer pra me descobrir enquanto faço.
no fim eu acredito que todas as coisas que desejamos ter ou conquistar, são meras formas de sentir algo. queremos a sensação, a liberdade, o pertencimento, o reconhecimento.
não sei se tem um sentimento mais cobiçado por um mamífero que o amor, por isso ser mais amadora hoje faz tanto sentido.
Conectei-me com cada palavra. E adorei o nome deste espaço!
Adorei a forma como este texto me fez resignificar o sentido de "amadora"! Estas palavras encheram meu coração de bons sentimentos! Obrigada!