o focinho peludo tocou a palma da minha mão em busca de um chamego, e eu me toquei da situação ali na hora. um animal é sempre um convite para a presença e eu, que nunca fui de cachorros, senti um amorzinho pela Gaia. já faziam umas duas horas que estávamos almoçando, mesas na calçada, brisa morna, verão e conversas de verão. almoçar com pessoas que você gosta é uma brecha no tempo-espaço, é cortar um dia útil ao meio e rechear com afeto. eu acordei ali, percebendo que não pensava no que “deveria” estar fazendo há um bom tempo.
não premeditei meu dia. eu tinha planos, mas alguns dias o THC bate mais forte, e eu acordo ainda como em sonho. então, eu não sabia onde o dia me levaria, e essa é a mágica. eu não consigo engarrafá-la, mas essa definitivamente é a mágica. saí de manhã em direção à praia, me encontrei em uma livraria. queria um chá, mas bebi café. queria “aproveitar” o tempo, mas fiquei um tempão observando ele passar. eu tenho tanto para fazer que era vital conseguir fazer em outro ritmo (a toada com a qual eu comecei esse ano, por mais que boa, me leva a um cansaço que não tenho mais paciência para ter). mas estar em outro ritmo é se permitir não conduzir. então, eu não decidi conscientemente entrar em outro, eu apenas desejei e me encontrei nele. magia.
tem dias em que me lembro de que não vou levar nada desta vida, e não tenho a obrigação de deixar nada também. tem dias em que me esqueço.
se eu comecei a abrir meu caminho profissional da forma que abri, era para poder estar aqui agora, e não no piloto automático — de vez em quando, me questiono se estou fazendo isso direito. eu devo continuar na minha caminhada obstinada para criar recursos para uma vida boa (e livre) OU devo fazer minha vida ser boa e livre agora, por vezes abrindo mão de gerar mais recursos?
meu ritual é vir para o Rio, porque sempre encontro essa resposta aqui: as duas coisas, Ananda. sem novidade.
essa cidade é grande, ao mesmo tempo que pequena. é um perigo convidativo, onde as coisas são exclusivas e abertas. ela funciona sem funcionar, tenho vontade de ficar para sempre, e não paro de pensar em voltar para São Paulo. não sei. só sei que me sinto bem aqui e que ela me explica que a vida não precisa ser contemplativa ou ativa. é possível contemplar a vida em movimento e aproveitar o dia sem ter planos. "ser carioca é ter como programa não tê-lo”.
um dos meus maiores desafios atuais é fazer qualquer coisa apenas porque eu gosto.
porque eu gosto tanto de ser útil, de ser produtiva, eu tiro tanto prazer de ver que algo se encaixou em minha vida como uma peça complicada no tetris, que quase não distingo mais: estou fazendo isso porque amo fazer? ou amo fazer isso porque me parece certo fazê-lo – um certo tipo de alívio em não precisar me questionar se estou usando bem o meu tempo?
eu resolvi que a única solução seria um rebranding total do conceito de hobby, e foi isso o que eu fiz. “passion projects” eu chamei, “projetos apaixonados” para os íntimos.
hobby, como eu conhecia, era um conceito abstrato. hobby, na minha percepção de lua em capricórnio, seria uma atividade com a qual você gasta um dinheiro que não devia, porque não conseguiu trabalhar com aquilo que amava. ter um hobby era trabalhar sem fazer dinheiro com algo, ou seja, não levar algo a sério. hobby era pejorativo. essa crença congelada no tempo ficou quietinha aqui, e eu abandonei tantas coisas onde poderia ter colocado minha alma, por não ter previsão do retorno sobre o investimento.
por isso, quando percebi que não poderia ser empreendedora + trabalhar nas horas livres, eu nem sabia por onde começar. eu tinha consciência da minha capacidade de me cobrar sobre qualquer coisa que começasse a fazer.
me dedicar é um prazer grande para mim, algo em construir qualquer coisa me traz paz. porque coisas concretas são recipientes para o espírito. então, é difícil separar. não sei quando meu desejo é fazer magia e unir ingredientes de uma sopa, talvez reunir linhas e desenhar uma casa, ou se quero abrir um novo negócio. não sei. sou uma construtora compulsiva.
no livro (que não li, pois estou me alienando do tema) a Prateleira do Amor, a psicóloga Vaneska Zanello diz que “em nossa cultura, os homens aprendem a amar muitas coisas e as mulheres aprendem a amar os homens”. fiquei com essa parte: não sei se tive espaço para me experimentar e “levar as coisas na esportiva". embora eu não tenha sido diretamente estimulada a “brincar de me relacionar” ou de "ser mãe”, minhas Barbies eram profissionais: eu venho me treinando para ser independente e construir um império desde que me conheço por gente. de fato, eu não aprendi a fazer nada porque aquilo me faz bem, e toda vez que me comprometi com o prazer em algo, senti que precisava roubar aquele tempo, merecê-lo.
antes, eu me refugiava nos estudos, nos livros técnicos, na exploração da minha mente
– tudo isso que parece ser um bom uso do tempo. até que entendi que poderia fazer o esforço que quisesse, a autorização para me investir em algo sempre viria com a culpa. eu poderia me tornar “a minha melhor versão” e ainda teria algo para melhorar. eu poderia me instruir sobre o meu ofício, e ainda teria algo para masterizar. entende? o trabalho nunca teria fim, eu nunca teria produzido o suficiente para não me sentir mal em investir meu tempo com o que tenho vontade de fazer.
por algum mistério, perceber isso não me desmotivou, me deu um tipo estranho de liberdade. é um jogo que não vou zerar e, depois de passado o vazio existencial, comecei a avaliar as consequências de não performar tão bem quanto gostaria, pegar minha culpa e levar até a análise, mas insistir em não me submeter. e eu acho que estou bem.
mas não sei se ainda não consegui ter um “passion project” ou se já tenho e só não consigo vê-lo como tal, porque estou esperando algum tipo de dedicação ideal para colocá-lo nessa caixinha.
se eu olho para a essência do que é ser produtiva para mim — gerar maior impacto com menos esforço — há tempos ser produtiva não é ser útil. eu venho contando por aqui sobre mudanças de perspectiva e de rotina que tenho feito ou tentado fazer, porque não consigo acomodar na minha vida o que antes eu conseguia. não consigo e não quero.
hoje, o impacto que uma conversa de mesa de boteco tem em mim é gigante, nenhum livro me leva ali. um trajeto de bicicleta até a praia produz mais benefícios que meus quase 5k de esteira. minhas unhas feitas, três lírios rosa em uma jarra em cima da mesa, um áudio de uma amiga, o conforto de um sofá conhecido... pouco esforço, muito impacto. talvez meu primeiro "projeto apaixonado" seja voltar a ver a vida acontecer.
o que eu faço com meu vício de analisar “o que compensa”? com meu hábito de pesquisar qual é a melhor estratégia para fazer qualquer coisa?
dia desses, o chatgpt me disse que não estou simplesmente mudando dinâmicas de trabalho ou experimentando uma nova rotina, e sim mudando minha relação com o conceito de produtividade. e, como uma mentora um dia me contou, essa é uma relação ancestral. isso é grande, isso é muito maior. isso é um novo corpo celeste sendo descoberto no meu sistema, mudando todas as órbitas dos planetas.
helhou, amadora
faz tempo que não escrevo um texto que vai diretamente pra newsletter. aliás, isso ainda não tinha acontecido no Sendo. uns anos atrás, inventei (era moda entre infoprodutoras) de fazer 28 dias de emails e chamei de “Nansletter”. esses emails eram escritos todos os dias, com o que me viesse ou com um texto que já tinha sido usado em algum material como inspiração, mas em nova edição. apesar de ter sido um pouco corrido (parte desses e-mails foram escritos em aeroportos, aviões, em um airbnb em Zagreb, em um Mcdonald’s em Paris…), eu lembro de ter amado muito a experiência — e acaba de me ocorrer: será que viajar me traz esse ímpeto?
essa edição foi um pouco como isso, um resgate dessa espontaneidade. espero que vocês tenham gostado, porque eu amei trazer a minha conversa de bar pra cá.
nos vemos na próxima semana.
esse post casa com o tema de hoje:
estou usando MUITO esse vídeo do Headspace para dormir (porque o interativo deles no Netflix saiu do ar e meu mundo caiu).
faz tempo que estou pra contar que tenho um cupom com 20% off na assinatura do Natural Cycles — o aplicativo que uso para monitorar fertilidade (sim, é melhor que todos os outros, vale a pena pesquisar). usando meu cupom vocês também contribuem para que eu me torne uma “Star Cycler” e ganhe desconto (:
''tem dias em que me lembro de que não vou levar nada desta vida, e não tenho a obrigação de deixar nada também. tem dias em que me esqueço'' - Sueyoshi, Ananda <3
Amando sua nova fase ♡