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#30 | não sei. não vi.

até quando vou viver de saber das coisas?

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Ananda Sueyoshi
jun 05, 2025
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no começo, era como um superpoder. cada conceito que me era apresentado dentro de um conhecimento organizado entrava no meu campo e fazia alguma transmutação mágica. como se entrasse na minha corrente sanguínea, a ideia ia correndo por dentro de mim, acendendo partes que ressoavam com ela. uma linha com várias lâmpadas acesas, algumas piscando, outras brilhando forte. meu cérebro todo iluminado e uma das maiores satisfações: entender.

quanto mais eu entendia, mais eu conseguia entender em outros campos. percebi que o conhecimento tinha um blueprint, uma estrutura delicada para existir. uma vez que eu compreendesse a estrutura de um campo de conhecimento, aplicar essa estrutura a outros fazia o aprendizado fluir.

aprendi que o universo respira, e essa respiração infla de vida tudo. o mistério continuou um mistério, e eu continuei a respeitá-lo como autoridade. mas aquilo que eu podia conhecer… eu fui desbravando com vontade e tive uma certeza daquelas que só se tem aos 20: “quero trabalhar com isso pro resto da minha vida. quero ensinar.”

e, com isso, o que eu sabia e podia pensar se tornou minha matéria-prima, meu maior recurso. “conhecimento é a única coisa que ninguém pode te tirar” (disse alguém que nunca teve uma queda de B12). comprei essa verdade e embora tenha, sim, trabalho sólido que sustenta minha vida, descobri a fragilidade de viver da mente quando tive um burnout.

passei dois anos com uma névoa que se instaurou entre eu e as minhas “luzes mentais”, entre eu e o que eu entendia. e meu trabalho precisou desacelerar — na experiência brutal de exaustão trazida por tanto pensar, tanto explicar, tanto esmiuçar com tanta exigência. eu tinha a missão de me fazer entender, da forma exata como queria ser entendida e de nenhuma outra — missão impossível.

por todo esse tempo, sabia que o centro de força do meu ofício estava lá, vivo, mas precisando ser deixado em paz. eu me apoiava no que podia ensinar, como minha fortaleza. agora, sem capacidade cognitiva pra pensar rápido, ter sacadas boas, fazer paralelos… o que sobrava?

sobrava a vulnerabilidade de andar no mundo oferecendo outra coisa além de “como se faz".

me pergunto se ser didática sempre me cansou. se é mais uma daquelas coisas que não amo fazer, mas amo tanto saber fazer que tiro algum tipo de satisfação pessoal enganosa. sei que a metáfora sempre foi minha amiga, e que as histórias sempre foram um lugar de medicina & cura. tudo isso se engendra na minha narrativa, em como eu explico o mundo dentro do que me proponho a oferecer como trabalho.

ensinar é nobre. ser professora é um papel social confortável pra alguém cuja vida foi transformada pelo conhecimento. é natural o desejo de que outras vidas sejam transformadas pela mesma via. mas hoje eu me pergunto se sou mesmo a pessoa mais indicada para passar adiante esse conhecimento, se tenho prazer nisso. ou se essa é a única forma que encontrei para lidar com a desconcertante generosidade que o universo teve comigo quando me fez autodidata e sempre colocou um livro na minha mão. perguntas que precisei me fazer em tempos difíceis. infelizmente tenho que agradecer ao burnout por permitir que elas passassem por debaixo da porta.

— será que eu tenho direito a ter o mundo ampliado pelo que sei (e pelo que não tive medo ou resistência de buscar saber) sem o dever de compartilhar o que sei para ampliar o mundo de outras pessoas?

— será que é egoísmo que hoje, depois de quase 7 anos trabalhando no mercado de educação online, eu deixe de colocar energia nisso e parta para outros lugares de interesse e também de entrega?

— será que posso entregar outra coisa? que não venha mastigada, exemplificada, transformada em método, em exercício, em sistema organizado?

— e mais: de onde vem esse meu desejo atual de confundir e deixar coisas em aberto?

sei a resposta que minha analista diria. eu estou viva, e amo viver, e faço bom uso da minha vida. uma pessoa assim não seguiria por um mesmo caminho pra sempre. ou ela já está morta. e nem um milímetro do conhecimento que me habita vai embora porque agora eu decidi que ele não é mais o centro do meu trabalho. muito menos o conhecimento que eu já disseminei.

sei que minha mãe diria que eu posso fazer o que eu quiser. e que ela morre de medo disso, mas sempre vai me lembrar de que eu sempre dei um jeito de fazer o que eu quis.

sei que minhas amigas dirão: “que venham as novas aventuras".

sei que minhas alunas confiam em mim e têm ainda muitos recursos disponíveis pra aprender com o que já concretizei em forma de experiência de aprendizado.

não tem uma única pessoa que me importa que diria para que eu continuasse em um papel que não me faz feliz, só porque estou confortável nele.

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