#27 o que aprendi sobre dinheiro (e não dá pra colocar em uma planilha)
uma história, quatro lições e muitas imagens de "Bonequinha de Luxo"
quando vi aqueles 5 dígitos na minha conta, meu estômago se fechou. eu não senti alívio, eu me fechei de medo. era o resultado do meu primeiro lançamento e eu entendi, ali, naquela hora, que precisava de acompanhamento profissional.
não, não contratei uma assessoria financeira, não contratei uma mentoria sobre finanças, não procurei um contador. eu fui pra análise mesmo. já tinha decidido que não deveria mais seguir pela vida sem supervisão, e o dinheiro na conta me deixou sem nenhuma desculpa.
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eu estava tranquila sobre o fato de reinvestir esse dinheiro na minha recém-nascida empresa. tinha consciência de que esse dinheiro não era o suficiente para pagar todas as minhas dívidas acumuladas. poderia ter pensado em “X meses de salário” e me enfiado na caverna pra melhorar o projeto, pra aprimorar". era dezembro, o mês perfeito para a autosabotagem natalina e para colocar todos os planos em pausa.
ao invés disso, resolvi colocar mais dinheiro na próxima campanha de anúncios, pagar o primeiro mês de uma mentoria de marketing sem saber como pagaria o segundo e finalmente marcar a primeira sessão com a psicóloga que já me haviam indicado. visitei minha família no interior, levei presentes, enchi a cara no ano novo como não faria pelos próximos quatro anos e, em janeiro, estava pronta para escavar minhas duas relações mais complexas: com o trabalho e com o dinheiro (para depois descobrir que, sim, tudo se trata de pai e mãe, mas isso é assunto para outro post).
e por que minha decisão foi, de cara, ir pra terapia e não para a gestão (ou para um buraco me esconder com o meu mini sucesso)? por influencia de Natália Arcuri*1 — e não por conta do que ela ensina. ela, sua colher de pau e as sincronicidades que o Universo alinha para me mostrar o que eu reluto em aprender mudaram parte da minha vida.
o “basta” já tinha chegado. eu já tinha prometido para mim mesma que faria tudo o que estivesse ao meu alcance para mudar minha situação financeira. mas eu ainda estava muito perdida. em um daqueles dias, the mean reds*2 (sabe aqueles dias em que você se sente tão ansiosa que é incapaz de fazer algo?), peguei um ônibus e fui até a Livraria Cultura do Conjunto Nacional. era onde eu costumava ir para ler livros que não podia comprar, e foi o que fiz. na entrada, vi algumas dezenas de pessoas com colheres de pau na mão, mas qualquer coisa é possível na avenida Paulista, então não pensei muito naquilo.
sentei com uma porção deles: livros de psicologia financeira, negócios, Girl Boss, da Sophia Amoruso, O Segredo da Mente Milionária e etc. me aconcheguei naquela poltrona do segundo andar com um certo sentimento de abandono, sofrendo de dores capitalistas. eis que ouço uma voz de mulher, um tom de radialista. a concentração de colheres de pau no andar de baixo aumentou. não era possível ignorar o que ela falava, embora eu não estivesse interessada.
mas ela começa uma história — e são sempre as histórias que puxam os fios que precisam ser puxados. conta que, quando era jornalista em um grande meio de comunicação, fez uma matéria sobre violência doméstica e descobriu, em dados, que uma porcentagem enorme de mulheres que voltam ou continuam em relacionamentos violentos fazem isso porque dependem financeiramente do parceiro abusivo. não tinha como esse dado não me pegar.

nessa vida, tive apenas um relacionamento que realmente posso enquadrar como abusivo — e ele foi um dos primeiros. o que interessa nessa história é que esse homem era rico, eu tinha acabado de chegar em São Paulo e éramos ambos muito jovens. vamos dizer que experimentei, muito leve e brevemente, o que poderia se tornar mais um número na estatística. como é comum para uma pessoa escorpiônica, as coisas duras da vida são apresentadas desde cedo, e os problemas desse relacionamento começaram exatamente quando entrei no meu primeiro emprego decente, quando pude começar a ir ao cinema sozinha e comprar meus próprios maços de cigarro. rapidamente, a coisa escalou para a proposta indecente: “e se eu te bancasse e você pudesse focar só na sua faculdade?”. a velha sábia (La Que Sabe*3, para as íntimas) que morava dentro de mim disse um sólido “não”.
o fim daquela noite elevou uma energia que se repetiria muitas e muitas vezes depois. com o estômago fechado, pego alguns daqueles livros, vou até o caixa e começo o que seria uma longa história de reconciliação com a abundância. pago no débito e, imediatamente, fico com dor de barriga. estava feito, talvez meu primeiro investimento, minha primeira grande aposta.
por toda essa história, no final daquele mesmo ano (o episódio dos 5 dígitos), eu sabia que não poderia fazer dinheiro sem olhar para o componente mais emocional dele: minha relação com gerar, receber, trocar e manter. até aquele dia, eu via o dinheiro como um “mal necessário” e, no segundo em que paguei por aqueles livros, decidi que essa não seria mais a minha narrativa sobre o tema. entendi que, como mulher, minha independência dependia da minha boa administração da vida material — justamente essa que o sistema mantém distante de mim. e por mais que, em toda a minha história, dinheiro tenha significado “problema”, cabia a mim escrever capítulos diferentes.
hoje, vou te contar as quatro principais lições que aprendi até aqui — não sobre dinheiro, mas sobre ser próspera em todos os sentidos.
use o que você tem. até a última gota.
tempos atrás, assisti um vídeo onde uma mulher analisava seu hábito de nunca usar seus produtos de beleza até o fim. sempre deixava um pouquinho.
aquilo me pegou automaticamente, porque eu fazia o mesmo. mas nunca tinha parado para pensar no porquê.
ela segue explicando: em outros momentos da vida, precisou racionar, economizar. criou então essa mania de segurar o restinho, de não usar até o fim. mas agora, mesmo sem precisar mais disso, o hábito continuava. e os produtos que ficavam ali, esquecidos com um tanto ainda no frasco, acabavam estragando.
eu pausei o vídeo e fiquei olhando para o nada. o insight veio. e isso é não é sobre skincare.
talvez você nunca tenha precisado economizar seu shampoo ou seu perfume, mas, pelo medo da falta, siga não usando tudo que tem. segurando. adiando. guardando para depois. mas é exatamente usar o que a gente tem até a última gota que cria os recursos para fazer mais.
eu costumo dizer para as minhas alunas que desfrutar é a única forma de agradecer, porque tomar (mais do que apenas receber) o que a vida dá é de onde vem a força.
eu não quero economizar minha energia criativa, meu afeto, minha capacidade física e mental, minha presença no mundo.
e não estou dizendo que devemos ser irresponsáveis com dinheiro. mas administrar nem sempre significa economizar. arrisco dizer que, 80% do tempo, os recursos que temos querem ser utilizados — desde que estejamos numa postura de realmente nos nutrir daquilo.
para mim, o final de um frasco de perfume é um lembrete de que o amanhã não está garantido. eu preciso fazer mais e eu sempre preciso me movimentar em direção ao mais. um mais que preenche, não o mais vazio da sociedade.
esse é meu combinado comigo: usar tudo o que eu tenho olhando para o mais.
de um jeito que aquilo que eu invisto retorne em mais possibilidade de investir. seja um dia de descanso, um produto de skincare, o dinheiro que eu tenho ou a minha própria energia.
administre e confie.
eu vejo cada projeto que eu tenho, seja profissional ou não, como um ritual, um feitiço. não tenho como prever exatamente os resultados. não controlo todas as variáveis. a única coisa que posso fazer é garantir que todos os elementos desse feitiço estejam presentes e que minha energia interna esteja alinhada. e, desde o início, levar isso a sério.
uma vez que inicio algo, preciso confiar. posso até ajustar no meio do caminho, mas a confiança faz parte da magia.
procuramos soluções fantasiosas — uma herança inesperada, um 6 em 7*4, ganhar na loteria. ou então inventamos sacrifícios épicos e deixamos de viver. ambas são posturas de quem se recusa a abrir mão do controle.
existe muito mais espaço para a verdadeira felicidade na manutenção séria e constante desde o começo (sim, administrar bem 2 centavos antes de administrar 2 milhões).
por mais que esse seja o meu maior desafio, aprendi nos últimos anos que o que pinga nunca seca — essa é a melhor estratégia. mas confiar enquanto fazemos o trabalho, estando na postura certa, com a intenção certa e todos os elementos necessários, é essencial.
o que nos leva ao próximo tópico.
pense, leia, se instrua sobre — sem paixões.
antes de mais nada, foi necessário mudar minha forma de pensar sobre geração de recursos. precisei ler textos que não me agradavam de imediato, aprender conceitos que preferia ignorar. tive que tratar o tema "dinheiro" como mais que uma curiosidade. mais do que isso, precisei colocar o emocional de lado.
não amo o sistema em que vivemos. continuarei a criticar o capitalismo e o patriarcado, mas deixei de ser ingênua. abandonei a ilusão de que minha indignação me tornava especial, como se eu precisasse me sacrificar para provar um ponto.
compreendi que o dinheiro não é um "mal necessário". ele surgiu como uma facilidade. se corrompemos essa facilidade, é uma outra questão. no fim, o dinheiro é apenas uma ferramenta de troca. entender os mecanismos que fazem o dinheiro circular pode ser trabalhoso, mas não é impossível. somos mulheres inteligentes e somos capazes.
o desafio está em manter consciência social, econômica e política sem cair na armadilha da martirização. se afastar da discussão apenas para evitar culpa tem pouco impacto e, no fundo, nem traz a consciência limpa que tanto queremos.
eu queria me abster do debate, evitar o desgaste. mas cada aspecto da vida adulta que escolhemos ignorar acaba sendo decidido por outra pessoa. e isso, por si só, já é um risco.
no dia em que abri meu cnpj, me senti traindo o movimento punk*5. mas o mundo é muito diferente dos anos 70. e depender da ajuda de quem já encontrou um meio de gerar os próprios recursos me pareceu, no mínimo, incoerente.
fiz minha escolha: trabalhar com o que tenho, compreender as regras do jogo, me instruir sobre ele e, acima de tudo, encarar o desafio de agir com ética dentro desse sistema.
e recomendo muito.
deixe fluir. a roda tem que girar.
esse aprendizado tem sido ainda mais recente para mim.
há várias palavras em inglês relacionadas a dinheiro que remetem à água: currency, streams of income, cash flow, liquid assets*6. dinheiro é movimento. dinheiro precisa fluir.
uma vez, uma taróloga mais experiente me mandou uma mensagem dizendo que não era saudável eu trabalhar gratuitamente. como todo iniciante, eu ainda tinha aquela mentalidade: “vou oferecer meu trabalho de graça e, em algum momento, terei coragem de cobrar.”
ela me disse que, ao fazer isso, eu desequilibrava a roda do karma e do dharma*7. a pessoa recebia algo de valor — porque, se chegava até mim para uma leitura de tarô, era porque precisava —, mas não deixava nada em troca. eu achava que estava ajudando, mas, na verdade, criava um desequilíbrio. essa pessoa ficava em débito comigo, mesmo que inconscientemente.
hoje eu entendo: a roda precisa girar.
o dinheiro precisa fluir. quanto mais temos, maior a responsabilidade de administrá-lo de forma consciente e presente. mas isso não significa acumular sem propósito.
esses dias, li que, se um macaco guardasse mais bananas do que consegue comer enquanto os outros morrem de fome, ele se tornaria objeto de estudo. mas, quando um ser humano faz isso com dinheiro, ele vira capa da Forbes. a metáfora pode parecer radical, mas a essência faz sentido.
o dinheiro precisa entrar em movimento e nossa responsabilidade está justamente em decidir para onde ele vai. escolher seu destino é, por si só, uma responsabilidade.
cada vez mais entendo que o dinheiro se dirige a quem tem maior capacidade de fazer com que ele circule para onde ele se multiplica — independentemente do que pensamos sobre essas pessoas.
nosso maior trabalho, então, é nos instruir sobre essa responsabilidade sem paixões, administrar com consciência desde o início e utilizar os recursos que já temos.
porque o dinheiro é uma energia neutra.
e ele precisa de mais pessoas boas ativamente trabalhando sobre ele.

hello, amadora
essa semana, me dei conta dos benefícios de um dia a dia não estruturado, e mal vejo a hora de conseguir montar uma edição sobre isso. escolhi desistir de tentar dar ordem ao caos pelo menos até o final da temporada de peixes — e isso me fez muito bem. estou encaixando o que é essencial da melhor forma que posso, no tempo que parecer mais oportuno. o que tem sido extraordinário, no sentido literal da palavra. meus últimos dias não tiveram nada de ordinários.
mas deixemos isso para uma próxima conversa.
a edição de hoje tem um toque diferente. estou incluindo na programação mensal textos mais temáticos, que tragam um valor mais objetivo para quem lê — blogueiragem, fofocas, conselhos, ideias, tutoriais, guias. algo que eu faria se ainda tivesse meu finado blog (que renasceu como essa publicação que você está lendo). o artigo de hoje ficou especialmente longo, porque é um tema subjetivo, mas gostei muito do resultado e quero saber como ele chega até você, me conta nos comentários?
como comentei na edição anterior, hoje estou abrindo novamente as inscrições para assinaturas pagas — por enquanto, discretamente. se você já acompanha o Sendo e quer continuar, estou ajustando os valores de
R$ 36/mêspara R$ 9,00/ mês. bem menos que um café + croissant.na página de assinatura tem um spoiler da programação premium semanal e da gratuita que agora será mensal (assinantes recebem ambas).
semana que vem, vou explicar com mais detalhes o que você recebe, o que fica gratuito e o que teremos de novidade. por hora, saiba que, assinando por esse valor agora, ele se mantém mesmo quando eu fizer reajustes futuros. é R$9 para sempre — desde que você mantenha a assinatura ativa. manterei esse preço enquanto puder (depois iremos subindo múltiplos de 9 até chegar no preço real do projeto).
estou realmente contente com essa nova fase. contentamento é a palavra (uma das coisas que vou mudar é a cartela de cores e estou muito feliiiiiz).
até semana que vem!
essa semana só quero compartilhar o seguinte:
(tradução livre aqui, do inglês gen z para o português millenial)
“sempre que sinto falta de alguém que não está mais em minha vida, eu roubo qualquer hobby ou traço da personalidade que eu gostava nessa pessoa, e busco desenvolver isso. no fim do dia eu não perdi nada. agora minha vida é ainda mais rica”
— POIS É, EU TAMBÉM ESTOU IMPACTADA. BOM DIA.
leia também
#3 pestiscos, a Falta com F maiúsculo, cafonice
6 minutos de leitura para treinar seu cérebro pós-redes sociais. de nada.
Nathalia Arcuri é uma especialista em finanças, apresentadora e jornalista brasileira. É conhecida pelo canal Me Poupe! no YouTube, pioneiro na criação do conceito de entretenimento financeiro, atualmente o maior canal sobre finanças do mundo. A sua colher de pau se chama Margareth e eu não julgo pessoas que dão nomes a objetos inanimados.
essa edição está cheia de imagens de um dos meus filmes preferidos, Breakfast at Tiffany's. se você não assistiu, é um dever de casa como leitora do Sendo Amadora
La Loba, ou La Que Sabé, é uma figura que aparece no livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés. A loba representa a natureza instintiva da mulher, que foi domesticada ao longo do tempo.
"6 em 7" é uma estratégia de marketing digital que visa faturar R$ 100.000 ou mais em sete dias com um lançamento digital. Também é conhecida como Fórmula de Lançamento.
um clássico é um clássico (e que medo da TV anos atrás)
moeda, fluxos de renda, fluxo de caixa, ativos líquidos.
Karma e dharma são termos da filosofia oriental que se relacionam com a lei da ação e reação, e com o código moral de vida.
Maravilhoso! Dinheiro é um tema delicado mesmo. E como planejadora financeira, não posso deixar de te dar os parabéns pela leveza e inspiração do texto .
amei muito esse texto, bateu aqui