#21 como dar conta de tudo — parte II
uma conversa honesta sobre focar no que é da nossa conta.
a resposta simples para “como eu dou conta de tudo”, a que eu queria mesmo responder, poderia ser: “supercoffee*1, psicanálise, e uma prescrição de CBD+THC.”
a segunda, seria: “não dou” — mas sei que você não vai acreditar em mim, e, honestamente, só seria meia verdade.
por isso, decidi dividir essa pergunta frequente e complicada em três edições.
como: parte I (clique para ler)
o que eu faço para conseguir… fazer o que eu faço.
dar conta: parte II (esta edição)
como sou meticulosa com o que se torna da minha conta.
de tudo: parte III (próxima semana)
o que importa ou não, porque “tudo” é coisa demais.
na edição de hoje, quero explicar a estranha alquimia que faço com o que é da minha conta e como foi uma longa jornada até chegar ao ponto onde tirar coisas do meu prato, e deixar pratinhos caírem, se tornou meu lifestyle.
esse email pode estar longo, clique aqui para ler no navegador, caso queira.
nos últimos anos, aprendi quando é hora de “dar um talento” e percorrer um quilômetro a mais para poder desacelerar na sequência. já não tenho mais vontade de estar sempre à frente; por isso, não sigo correndo desenfreada. estar à frente apenas quando preciso é minha regra. no mais, cuido da minha capacidade de dar esse gás de novo quando for necessário. é basicamente planejar o que é planejável, mas lidar com o resto conforme aparece. isso exige um nível grande de confiança em mim mesma e nos sistemas que crio. mas vamos lá: vou dissecar para você o tanto quanto posso.
o que é ou não é da nossa conta
dias atrás, recebi uma mensagem de uma mulher claramente cansada, daquele jeito específico que todas nós tendemos a estar nessa época do ano: sem carisma, ávida por uma pausa, querendo terminar uma parte do trabalho para poder curtir férias, mas sabendo que tais férias podem incluir uma grande gestão emocional para a qual estamos pouco carismáticas. além disso, revisão do ano, metas batidas (ou não), “e o que você fez?", a impiedosa passagem do tempo, uva passa (que eu amo, podem passar todas as suas pra mim) e biquínis — o natal verônico é uma piada de mau gosto pra mim.
nesse comentário (e destaco esse em específico, mas recebo esse tipo de mensagem toda semana), havia um pedido para que eu compartilhasse os momentos em que não estou dando conta. supostamente porque isso faria a leitora se sentir melhor sobre os momentos em que ela também não dá. dos mesmos criadores de “se a Nans consegue, eu consigo,” agora temos o “se a Nans não consegue, é ok eu também não conseguir.”
que ponto é esse onde chegamos, onde pedir para uma completa desconhecida na internet mostrar a pia cheia de louça virou uma ferramenta para aliviar a culpa patriarcal de não cumprir as múltiplas expectativas que nosso título de mulher carrega? digo com muito amor: minha pia cheia de louça não diminui a louça na sua. nem sua culpa. mas vamos olhar com profundidade para isso, porque no fim, o que eu dou conta ou não não deveria ser... da conta de ninguém.
o que se torna da nossa conta
em linhas gerais, eu dou conta de tudo que me proponho mesmo. vivo coisas maravilhosas que são fruto das minhas escolhas diárias. mas me proponho a muito menos do que a maioria. incrivelmente, acredito que esse seja o segredo de, no longo prazo, sustentar uma vida como a minha: fazer menos. mas minha vida não é perfeita, e acho triste ter que dizer isso com todas as letras.
das coisas que minha audiência (do Instagram, principalmente) “cria” sobre mim, percebo que apenas 20% é baseado no que eu de fato digo ou mostro.
40% tem a ver com uma soma do que os creators*2 estão fazendo (e, aqui, nos culpo: temos a tendência de fazer o mesmo que todo mundo faz) ou com essa névoa que mercado digital projeta — porque esse mundo é novo, desperta curiosidade, e eu entendo que as pessoas criem ilusões sobre o que é viver “nele”.
é aquela sensação de “tá todo mundo na Itália,” “todo mundo está vendendo mentoria”. mas que todo mundo é esse? estou comendo macarrão no sofá da minha sala, sabe?
os outros 40% vêm da boa e velha projeção*3: uma coisa muito humana e que nunca vai embora. naquele comentário em específico, pude perceber que existia muito mais uma comparação do que admiração. uma necessidade de me tirar de um pedestal no qual eu não subi, porque parecia que eu estava olhando essa pessoa de cima, como se ela fosse menor do que eu. no fundo, ela estava retroalimentando uma visão de si mesma como inferior — algo que todas nós fazemos em algum momento, especialmente quando estamos cansadas e sobrecarregadas. era um comentário cheio de reflexos dos desejos e dores da própria interlocutora. e, no fim, projetar o que temos dentro de nós nos outros para podermos nos relacionar conosco é natural — só estamos alocando essa projeção no lugar errado, que é a internet.
se essa newsletter não foi criada para ser uma extensão da Nans (a empresária, infoprodutora e professora), ela é o espaço perfeito para desembrulhar intimidades com quem faz questão de me acompanhar de perto aqui. meu trabalho é grande parte da minha vida, então, se esse é o espaço para nossa troca honesta, vamos esclarecer algumas coisas.
eu me importo de verdade com muito pouco.
simples assim. eu não consigo me importar com qualquer coisa, investir emocionalmente em qualquer coisa; eu não me ofendo fácil nem me assusto facilmente. eu sou autocentrada para o melhor e para o pior e levei muito tempo para entender esse "segredo" de produtividade, que não conseguia ensinar ou transmitir de forma alguma, já que não sabia nem nomear. e antes que você pense “o que eu faço para me importar menos?”, isso veio de fábrica e, gatas, isso veio de trauma.
a realidade é essa: eu vivi parte da vida em dissociação*4 e não desejo isso para ninguém. mas ganhei a habilidade de ligar e desligar o foda-se por conta disso. poucas coisas me importam e quando elas me importam, me importam demasiadamente. quando algo me ofende, me ofende muito profundamente. eu levo as coisas com leveza até que ✨PLIM✨ não levo mais, e essa hora do “chega” nem eu mesma vejo chegando (esse sempre foi um problema nas minhas relações, como você pode imaginar).
no fundo, sou mais obcecada do que medrosa, mais estratégica (manipuladora) do que impulsiva. por isso, não faço questão de dar conta de tudo. minha pia fica cheia de louça até ela se tornar uma prioridade para mim e, se um dia já me senti muito anormal e inadequada por essa dicotomia entre não me importar e me importar demais, hoje acho que ela é uma das coisas mais legais sobre mim, fonte de tudo o que me orgulho de ter criado
a minha personalidade é “difícil”
e por isso, eu tenho que controlar minha mente. sei que, para quem me conhece hoje, isso nem sempre é tão perceptível. se eu não tivesse buscado o budismo, a yoga, a magia, a psicanálise e o tratamento com a Cannabis medicinal*5, eu não sairia muito do lugar. por muito tempo, corri atrás do meu próprio rabo com o meu gênio forte. eu amo a parte mais “silvestre” de mim, mas sei que, para construir as coisas que desejo no fundo do meu coração, ela precisa ser melhor cultivada.
por isso, resolvi ser uma agrofloresta*6 (a permacultura me inspira em todos os níveis). fui atrás de tudo o que me ajudaria a ser mais diligente com minha energia, aceitando o que ela é — e ela é intensa. sei que isso não vai mudar. esse trabalho bem feito hoje cria a ilusão de que sou sempre uma pessoa calma, com a saúde mental em dia e tudo sob controle. errado. eu mantenho a calma. cuido da minha saúde mental tanto quanto tomo banho e escovo os dentes. adquiri ferramentas internas e externas para controlar (apenas e tão somente) os meus pensamentos. afirmo que não teve atalho até aqui.
e o mais importante: não tenho nenhuma ilusão sobre um dia não precisar mais me cuidar dessa forma, nem tenho preguiça desse trabalho. a maior parte das pessoas não quer passar por tudo o que eu passei para chegar aqui — e eu entendo. eu sou um trabalho em período integral e estou muito feliz em poder cuidar de mim, sem me delegar para mais nada. mas não é bolinho.
eu sou treinada
diante de tudo o que eu disse sobre o que vem de fábrica e o que faço para tirar dos meus defeitos uma limonada, eu me treinei para não gerar mais complexidade. eu foco no essencial como uma filosofia de vida. já vivi muitas versões dessa crença: mais natureba, mais nômade, mais espiritual, mais asiática, mais empreendedora. mas a teoria é sempre a mesma: 20% do esforço produz 80% do resultado*7, e as coisas antifrágeis*8 são mais desejáveis do que as coisas rígidas.
já me perguntaram, inclusive, por que sou tão rígida com as minhas regras profissionais. a resposta? não sou vocês é que são moles demais. as estruturas aqui são firmes justamente porque decoração instagramável não segura um prédio, e eu é que não vou construir uma vida (ou um negócio) "solto" para depois viver com a insegurança constante de que qualquer ventinho pode abalar tudo e tirar de mim o que construí. prefiro ser chata.
o meu essencial de hoje é ter estrutura e estabilidade emocional (lua em capricórnio na casa 2) e me relacionar e encontrar beleza na vida (vênus em libra na casa 11). então eu foco nas coisas que me trazem isso: minhas amizades profundas, meu trabalho sustentável, meu corpo forte, meu tempo bem usado. fui me treinando para identificar, dentro de um dia, quais tarefas estão relacionadas a esses valores e necessidades e quais não têm conexão nenhuma com o essencial — e vão ficar para quando sobrar energia.
eu vivo em dois mundos
eu fui frustrada pela incapacidade da vida de acompanhar minha mente muito cedo. com isso, convivo com essa realidade há muitos anos. as limitações de recursos me ensinaram a viver em dois mundos. o primeiro, de sonhos e fantasias, não vou mentir, é um mundo bem mágico, onde sei navegar entre manifestações, intuições e sinais. mas meu outro mundo, o mundo que me dediquei a aprender a amar, é um mundo muito objetivo. é o mundo onde, se eu não organizar minhas ideias, elas nunca serão potência. eu seria sempre apenas potencial.
“No matter how many chairs you have, you only have one ass. ” Bob Dylan
(“não importa quantas cadeiras você tem, você só tem uma bunda” vale para muitas coisas da vida moderna)
resumindo: eu faço com que pouca coisa seja, de fato, um problema meu.
sou apaixonada pela frase “tem dois tipos de problema: os meus e os seus.” para mim, ela é um símbolo de humildade, algo que me mantém concentrada no meu impacto real, mais do que no impacto ideal. eu não posso salvar o mundo, mas posso fazer um ótimo trabalho no meu mundinho e, de vez em quando, impactar uma ou outra vida.
cuido para não colocar na minha to-do list itens da to-do list de outras pessoas. a área vip da minha vida (quem pode entrar na minha casa, desabafar comigo, ou receber minha atenção a qualquer momento) é MUITO enxuta. fiscalizo a vida alheia o mínimo possível (e evito assistir storys) , me comparo o mínimo possível (presumo que a vida dos outros é tão difícil quanto a minha e que eles pagam preços que não conheço para ter o que têm). eu tenho todas essas tendências — absolutamente não sou melhor que ninguém. mas posso dizer que sou muito mais comprometida em não me deixar levar pelas demandas do mundo. faço tudo que está no meu alcance para focar em construir o que é essencial para mim.
porque eu sei exatamente a sensação de tudo “depender de mim” — e muitas vezes por escolha minha. quis me sentir útil dentro de relações, não queria acreditar na capacidade do outro de se resolver sem a minha ajuda. afinal, se eu não era necessária, talvez não fosse amada. foram muitos anos de terapia e estudo para poder falar disso com leveza (não se cobre ler isso sem marejar).
sei que essa sensação é irreal e injusta. eu posso menos do que a sociedade moderna espera que eu consiga, mas também posso mais do que ela gostaria.
como transferir a conta pros reais donos?
na próxima edição, vou me debruçar ainda mais no conceito de “tudo”. mas, antes de mais nada, o que posso deixar de prático aqui é: precisamos deixar as pessoas cuidarem do que é delas, se quisermos cuidar BEM do que é nosso. dar conta não é fazer tudo perfeitamente, mas com certeza tem a ver com empregar bem nossa energia. diante disso, precisamos recusar com graça & verdade o que não é nosso.
gentileza é a palavra. é com gentileza que transfiro a titularidade do boleto do que não é da minha conta para a conta do proprietário. porque eu sei que as pessoas estão tentando deixar suas vidas mais leves. porque eu sei que a vida é pesada às vezes. olhe tudo o que expliquei sobre meu cuidado, meu esforço interno em abrir espaço para ser feliz. não é agora que me tornarei mártir e morrerei pela remissão dos pecados alheios. também não é agora que vou condenar a tentativa alheia de, de alguma forma, dividir o peso comigo. eu só vou recusar.
com gentileza e amor, eu devolvo. às vezes com mais graciosidade, às vezes com ajuda da terapia. se necessário, com força bruta — não nego. em 2024, eu cortei pessoas e situações em que senti que minha capacidade de compreensão estava sendo abusada. sigo devolvendo cada emoção que não sou eu que tenho que processar, cada culpa que não é minha para carregar, cada resposta que não sou eu que tenho que dar, cada expectativa que eu não ativamente ajudei a criar.
e se você me leu até aqui e ainda tem alguma expectativa de que eu seja perfeita, porque se eu for, existe esperança de que eu possa te ensinar a ser também… leia tudo de novo.

olá, amadoras.
notícias do lado de cá: ainda me recuperando dos dias de molho e com um cansaço acumulado de fim de ano. mas me dando espaço para refletir e, curiosamente, ter uma TPM tranquila e introspectiva – daquele jeito gostoso, sabe? estou num misto de animação para o ano novo e uma certeza de que precisarei de mais férias do que vou conseguir me dar. mas seguimos lidando com a realidade como ela está se apresentando. pequenas coisas têm me feito feliz, como escrever para vocês aqui. e uma boa notícia: já já tem outro episódio*9 de PODCAST! vocês venceram: o piloto não será o primeiro e último.
nos vemos semana que vem.
a Puravida lançou novos sabores de Blue Calm (uma reposição de magnésio com spirulina e blends naturais que faz maravilhas nos sintominhas de estresse de final de ano), e eu estou amando o de maçã com canela.
estou muito confusa sobre a trend do “como vou ser triste se esse ano eu…”. acho cafona em termos de copy, mas ao mesmo tempo adoro ver as coisas legais que as pessoas que admiro fizeram. e ainda, não entendo por que uma coisa exclui a outra, já que ser feliz e triste ao mesmo tempo é parte da experiência de ser humano. esse ano eu fiz coisas legais pra caraleo e fui triste também, rs.
descobri que documentários sobre fraudes, golpes e empresas que vão à falência são meu rolê. eu não sou do true crime; eu sou dos crimes de colarinho branco e de CEOs sociopatas.
achado da internet da semana:

#8 dezembro, o tempo e até as piores pessoas estão desejando algo bom
eu sinto como se estivesse acontecendo agora (porque de certa forma está): a última semana de aulas na escola me deixava com uma sensação que eu não sabia nomear. era algo ali pelo estômago, que subia para as bochechas. era triste e, ao mesmo tempo não era. e eu não podia falar sobre ela com ninguém, porque não fui criada em um mundo onde podemos compartilhar o que sentimos sem muita elaboração.
ainda tomo um cafezinho, mas por prazer. para acordar minha mente tenho preferido isso aqui, para a tristeza de minha amiga nutri
A principal diferença entre um criador de conteúdo e um influenciador é que o criador de conteúdo se concentra na criação de conteúdo, enquanto o influenciador foca na disseminação do conteúdo — segundo o Gemni. mas darei meus 2 centavos de opinião sobre esses dois trabalhos em outra edição
Em psicologia, projeção é um mecanismo de defesa que consiste em atribuir a outras pessoas características, sentimentos, emoções ou desejos que o indivíduo não consegue aceitar ou admitir que lhe pertencem.
Dissociação é um fenômeno psicopatológico que consiste na desconexão temporária de uma pessoa com a realidade, podendo afetar a memória, emoções, identidade e representação corporal.
Com acompanhamento de psicóloga e psiquiatra e não, não faço uso recreativo e não sei como vocês conseguem, sinceramente rs.
A agrofloresta é uma alternativa aos métodos tradicionais de agricultura, que priorizam a produtividade e a lucratividade, mas não consideram a sustentabilidade. Ao contrário, a agrofloresta busca recriar os processos naturais das florestas, criando ecossistemas produtivos mais equilibrados.
A Lei de Pareto, também conhecida como Princípio de Pareto ou regra 80/20, é uma teoria que estabelece que 80% dos resultados vêm de 20% das causas.
Antifragilidade é um conceito introduzido pelo filósofo e estatístico Nassim Nicholas Taleb, que descreve a capacidade de não apenas resistir, mas se beneficiar de eventos adversos, desordem e incerteza. Em outras palavras, um sistema antifrágil não apenas sobrevive ao caos, mas cresce e se fortalece com ele.
Ela não é perfeita, mas ela entrega tudoooooooo
Amei! Identificações, algumas sacudidas, reflexões, insights. Gratidão Nans!